Data Mercantil

A montadora gaúcha Agrale encolheu 64% em seis anos. Agora, aposta no lixo para voltar ao bilhão

Empresa já faturou R$ 1,1 bilhão, mas a crise dos anos 2010 derrubou o faturamento

A Agrale desempenhou um papel pioneiro em diversas áreas. Situada na indústria automobilística de Caxias do Sul, na região serrana do Rio Grande do Sul, esta empresa desempenhou um papel fundamental na modernização da agricultura familiar brasileira, ao lançar os primeiros tratores 100% nacionais. Com 61 anos de história, contribuiu significativamente para a nacionalização da produção de caminhões, motocicletas e ônibus. Ao longo de sua trajetória, a Agrale alcançou uma receita superior a 1 bilhão de reais, empregando mais de 2.400 funcionários. Não por acaso, ela já foi uma indústria de destaque nesse cenário.

No entanto, ao longo desses 60 anos, a Agrale enfrentou duas crises que a forçaram a tomar medidas significativas. A primeira ocorreu no final do século passado, quando as flutuações do setor agrícola impactaram negativamente as finanças da empresa, dada sua forte ligação com esse mercado. A segunda crise ocorreu mais recentemente, devido à combinação da crise econômica a partir de 2013 e à inflação causada pelo Programa de Sustentação do Investimento (PSI) do governo federal, o que levou a uma queda nas vendas de novos caminhões e ônibus. Em 2016, o faturamento da empresa já havia caído pela metade em relação a 2013.

Edson Martins, diretor comercial da empresa, observa que enfrentar uma situação em que dois terços do mercado simplesmente desaparecem é extremamente desafiador. Portanto, a empresa teve que tomar medidas significativas para se adaptar às circunstâncias.

Parte dessas medidas envolveu encontrar novas fontes de receita. Durante os anos 1990, quando a Agrale estava focada no mercado agrícola, encontrou uma oportunidade na fabricação de chassis de ônibus, um mercado que, até então, estava predominantemente concentrado no exterior. Durante a crise mais recente, a empresa adotou duas estratégias para lidar com a queda nas receitas: uma maior ênfase em nichos de mercado e a gradual implementação de novas tecnologias em seus produtos. Uma dessas tecnologias está relacionada ao uso de resíduos.

Essas medidas já estão mostrando resultados positivos. Após uma queda no faturamento para 417,4 milhões de reais em 2020, aproximadamente um terço do que havia sido faturado em 2013, a empresa está se recuperando. Em 2021, registrou um faturamento de 574,8 milhões de reais, e em 2022, alcançou 826 milhões de reais, o melhor resultado desde 2015. A expectativa é que esse valor se mantenha em 2023, com um faturamento de 402 milhões de reais já registrado até junho.

A história da Agrale começou em 1962 como Agrisa, Indústria Gaúcha de Implementos Agrícolas, inicialmente produzindo motocultivadores e motores a diesel. Em 1965, Francisco Stédile adquiriu a empresa e a renomeou para Agrale. Foi nessa época que a empresa fez a transição do motocultivador para a fabricação de pequenos tratores, contribuindo para a automação da agricultura familiar no Brasil.

Nas décadas seguintes, a Agrale expandiu seu portfólio de produtos, incluindo caminhões nos anos 1970 e motocicletas nos anos 1980. No entanto, a forte dependência do mercado agrícola provou ser desafiadora para a empresa em momentos de crises, como ocorreu por volta de 1996, quando as flutuações do mercado agrícola afetaram suas finanças.

Para superar essa primeira crise, o Grupo Stédile, proprietário da Agrale, foi obrigado a vender uma de suas operações mais lucrativas, a Fras-Le, uma fabricante de pastilhas de freio e autopeças. Essa venda permitiu que a Agrale pagasse suas dívidas e obtivesse capital de giro para redirecionar o negócio para outros nichos, reduzindo sua dependência do setor agrícola.

Uma das principais apostas da Agrale nos anos 2000 foi o mercado de micro-ônibus. A empresa decidiu desenvolver chassis planejados especificamente para micro-ônibus, em parceria com a Marcopolo, outra grande empresa da região. Isso resultou no lançamento do Volare, o primeiro micro-ônibus totalmente nacional, que atualmente representa cerca de 25% do faturamento da Marcopolo.

A Agrale também diversificou sua linha de produtos, lançando viaturas 4×4 para uso militar em 2004 e introduzindo o primeiro trator brasileiro compatível com biodiesel em 2006. A empresa sempre demonstrou um espírito inovador e inventivo, mas também manteve um foco em lucratividade.

No entanto, em 2013, a empresa enfrentou outra crise significativa devido à queda nas vendas de caminhões e ônibus no Brasil, causada pelo excesso de financiamento e pelas políticas fiscais do governo. Isso resultou em uma redução acentuada na força de trabalho da Agrale, de 2.400 funcionários para 800.

Para superar essa crise, a Agrale adotou duas estratégias principais. A primeira foi a ênfase em nichos de mercado, como a venda de chassis de micro-ônibus off-road para o Programa Caminho da Escola e o fortalecimento de serviços para montadoras terceiras. A segunda estratégia envolveu a exploração de novas tecnologias, como ônibus movidos a gás, com um foco particular no uso de biometano, que pode ser produzido a partir de resíduos orgânicos.

A Agrale identificou a oportunidade de utilizar o biometano como fonte de energia para seus ônibus, contribuindo para a resolução do problema dos aterros sanitários lotados e do desperdício de gás metano produzido a partir de resíduos orgânicos. A empresa está empenhada em viabilizar frotas de ônibus municipais movidos a biometano, oferecendo uma solução ecológica para as cidades.

Apesar dos desafios, como o custo da tecnologia e a infraestrutura necessária para produzir biometano, a Agrale está determinada a tornar essa abordagem viável. A empresa busca montar uma primeira frota de ônibus movidos a biometano e demonstrar seu potencial aos prefeitos interessados, acreditando que essa tecnologia poderá ser mais viável para o país do que alternativas elétricas.

Para a Agrale, superar crises envolve identificar oportunidades emergentes e nichos de mercado que podem se tornar relevantes no futuro. Essa abordagem tem sido fundamental para sua capacidade de adaptação e inovação ao longo de sua história.

Fonte: Exame

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