Cultura
Quinta-feira, 25 de abril de 2024

Pai de ‘Mad Men’, Matthew Weiner lança livro e diz que TV só busca ideias repetidas

Depois de pôr o ponto final numa das maiores séries de todos os tempos, “Mad Men”, Matthew Weiner saiu de porta em porta vendendo o próximo projeto que tinha na manga. Mas ninguém se interessou.
Num dos seus “pitches”, apelido da indústria para a venda rápida de uma ideia, ele resolveu fazer um teste e dizer “é como Don Draper, mas agora numa empresa farmacêutica e interpretado por uma mulher”. E o executivo do estúdio respondeu “vendido!”.
É uma história que Weiner conta aos risos, mas que defende como um alerta essencial a todo artista que já alcançou algum sucesso. “Se você quer ficar muito rico, tem que continuar a fazer o mesmo que já fez. Mas, se está satisfeito com o dinheiro que já recebeu depois que eles roubaram você –porque isso vai acontecer”, diz, em referência aos estúdios, “e então quiser lutar contra a sua própria marca, tem de estar disposto a ganhar menos e correr riscos”.
O escritor deu esta entrevista, falando por vídeo de sua casa em Los Angeles, por causa de um desses riscos que resolveu assumir. “Acima de Tudo, Heather”, seu romance de estreia, foi o projeto que ele enfim abraçou logo depois de “Mad Men” –o livro sai no Brasil agora pela Tusquets, com atraso de cinco anos.
O perigo se confirmou, de certo modo. O romance, que se equilibra entre o suspense e a sátira com a história de uma adolescente que é alvo da obsessão de seus pais e de um assassino, não chegou perto dos elogios hiperbólicos que a série de Weiner recebia.
Destino ainda mais trágico teve a antologia “Os Romanoffs”, superprodução de oito episódios que ele lançou na Amazon em 2018 e acabou malhada pela crítica. O roteirista culpa, em parte, o timing.
“Explicar o que era aquilo era complicado demais, e a distribuição pelo streaming tinha acabado de explodir. Era muito difícil se destacar”, argumenta, afirmando que a série teria recepção diferente se fosse ao ar durante a pandemia.
“Ter estrelas de cinema não era suficiente, nem ter uma marca conhecida. Por isso se fazem tantas sequências hoje. Nós sabemos como fazer o marketing de um filme de ‘Mad Men’ mesmo que ninguém da série volte.”
Esse filme não está remotamente nos planos de Weiner, vale dizer. Mas ele puxou o fio dessa reflexão a partir de uma pergunta sobre “The Many Saints of Newark”, o longa-metragem que mostra os personagens de “Família Soprano” décadas antes da época retratada na série.
Seu criador, David Chase, deu uma entrevista quando o filme foi lançado, em setembro, atestando sua dificuldade de aprovar projetos que não envolvessem Tony Soprano. E se deteve sobre a possibilidade de nunca mais conseguir escapar daquela série –na qual, aliás, Weiner também despontou como roteirista.
Ao ouvir uma pergunta sobre o medo de ter sua vida toda definida por “Mad Men”, Weiner pausa, pondera que Chase, seu amigo, é duas décadas mais velho que ele, e pausa por mais dez segundos.
“Não tem nada de ruim em minha carreira ser definida por ‘Mad Men’. Não vejo nada negativo”, diz, enfim, e então lembra a estrela principal da série. “Consigo entender como é difícil para Jon Hamm viver com esse papel. Mas, para mim, foram só portas abertas. O interessante é que não se abriram portas para que eu fizesse o que desse na minha cabeça.”
Quando começou a vender a ideia de “Romanoffs” na praça, diz, ele usou cuidadosamente a influência que reuniu criando um negócio de bilhões de dólares –sua maneira curiosa de se referir a “Mad Men”– para fazer algo que seria diferente. Se foi sucesso ou fracasso, é outra história.
Criar obras dentro de sua própria marca não é necessariamente um problema, Weiner ressalva. Basta ver o que “O Irlandês” representa na obra de Martin Scorsese ou “Era Uma Vez em Hollywood” na de Quentin Tarantino –há pouca coisa de novo ali, e são grandes filmes.
“‘A Crônica Francesa’ é o filme mais Wes Anderson do mundo, ‘Licorice Pizza’ é o mais Paul Thomas Anderson do mundo”, enumera. “É quase como se o público se acalentasse com essa repetição de estilo. Num momento em que é tão difícil conseguir distribuição, ter uma voz como Aaron Sorkin, por exemplo, é um ativo tremendo.”
É fácil identificar a voz de Weiner neste “Acima de Tudo, Heather”. O livro tem preocupações similares à saga dos Draper, como o caráter ilusório do sonho americano, a sensação de sufocamento dentro de um casamento infeliz, a inquietude que mulheres fortes provocam na masculinidade ao redor.
No caso, é a maturidade sexual de uma adolescente modelo, a Heather do título, que deixa tanto seu pai quanto Bobby, um homem violento que trabalha como operário em seu prédio, completamente alucinados.
“É sempre difícil para o mundo entender a sexualidade florescente. A natureza primitiva do seu cérebro versus seu corpo, o fato de que você pode se reproduzir. Os adultos ficam desconfortáveis, especialmente os que conhecem você. E não vamos esquecer que homens e mulheres, garotos e garotas, são objetos implicitamente sexualizados em todas as culturas.”
“Acima de Tudo, Heather” nasceu quando o autor viu o trabalhador de uma obra olhando fixa e lascivamente para uma jovem. Em vez de transformar a inspiração num roteiro, decidiu que seria uma oportunidade para enfim escrever um livro, algo que queria fazer desde criança.
“Nunca me imaginei como um dramaturgo”, diz, contando ter se formado lendo ficção e se deslumbrado pelas possibilidades abertas pelo romance.
Para uma pessoa que transformava tudo o que escrevia em imagens filmadas, pense em como deve ser libertador não precisar confiar em atores, poder entrar com mais fluidez na mente dos personagens e, como ele comenta, “poder ir para a Flórida só escrevendo uma frase”, sem pensar em custos de produção.
Há quem diga que a sofisticação narrativa da chamada era de ouro da TV, na qual “Mad Men” e “Família Soprano” foram protagonistas, estaria ameaçando os grandes romances com a obsolescência.
O argumento é que os filmes não seriam substitutos adequados para a ficção de fôlego, mas a televisão de prestígio, com suas várias temporadas e enredos, representaria uma ameaça maior -“gosto de dizer que Dickens foi o primeiro autor de televisão”, diz Weiner a certa altura.
A isso o autor responde que, na verdade, “os escritores sempre estiveram em crise”. “Se você conversa com um escritor, quanto tempo demora para o assunto ‘dinheiro’ aparecer? Duas ou três frases? Se você ler a correspondência entre Hemingway e Fitzgerald, eles só falam disso.”
Isso vindo de alguém que está escrevendo uma coletânea de contos, outro romance, uma peça de teatro –que ele considera seu melhor trabalho até aqui– e uma nova série de televisão, já com dez episódios contratados, sobre a qual ele não pode revelar nada.
Ao fazer essa lista depois de mais de uma hora de conversa, ele se despede dizendo que falou por mais tempo do que planejava. “O que quer dizer que tem algo que eu deveria estar escrevendo.”

ACIMA DE TUDO, HEATHER
Preço: R$ 44,90 (144 págs.); R$ 39,99 (ebook)
Autor: Matthew Weiner
Editora: Tusquets
Tradução: Alexandre Martins

Fonte: FolhaPress/Walter Porto