Cultura
Quinta-feira, 25 de abril de 2024

Série da Netflix sobre a Inspiration4 não passa de um comercial da SpaceX

Num evento tradicional do Vale do Silício, remanescente do influente AllThingsD, Elon Musk foi questionado sobre o foguete do concorrente Jeff Bezos e seu formato de pênis.
“Bem, se você só vai fazer voo suborbital, então seu foguete pode ser, digamos, menor”, respondeu ele. A entrevistadora e a plateia riram, muitos até aplaudiram.
Foi dois dias antes de entrar no ar o último dos cinco episódios de “Countdown: Inspiration4 Mission to Space”, documentário da Netflix sobre o projeto turístico-espacial de Musk.
A conversa com o empresário, que durou menos de metade do tempo, é mais divertida e reveladora do que todo o programa. Este não passa, como fica claro desde logo, de um comercial da SpaceX, a empresa de Musk, com participações especiais dos carros da Tesla.
A própria piada revela mais. Abordada seguidamente no documentário, mas tentando não evidenciar que se trata de mote publicitário, a oferta de voo orbital é o suposto diferencial da SpaceX, na nascente disputa por turistas com a Blue Origin de Bezos.
Os primeiros quatro episódios na Netflix são especialmente modorrentos, acompanhando como personagens de reality show os quatro supostos tripulantes, sendo escolhidos e depois preparados para o voo.
Seguem-se as regras de representatividade social, com alguns apelos de dramaticidade, como a sobrevivente de câncer. “Cada pessoa que se juntar a esta missão precisa ser capaz de trazer, por si só, uma história forte e inspiradora”, explica seu “comandante”.
O programa só vai ganhar sentido na metade do último episódio, com o voo. É quando são apresentadas as imagens da “maior janela já colocada no espaço”, segundo a narração sempre publicitária, e se vê “toda a esfera da Terra”, outro diferencial.
No final, letreiros enfatizam que, “a uma altitude orbital de 585 quilômetros, a tripulação voou mais alto que todos os astronautas do século 21”, ou seja, do que concorrentes como a Blue Origin e até russos e chineses.
Documentário autorizado, “Countdown” evita abordar os riscos reais do voo, como o alarme que disparou sobre o banheiro -com problemas na “gestão de resíduos”, embora sem alcançar a cabine, garantiu a SpaceX em entrevistas de verdade.
A narração bate na tecla de que foi um “marco histórico”, o início de uma era espacial “civil”, no sentido de ser iniciativa privada, não estatal. A baixa temperatura do documentário não sustenta tal proclamação de nova era.

Fonte: FolhaPress/Nelson de Sá