Cultura
Quinta-feira, 28 de março de 2024

Army of the Dead’ tem pouco a propor a mundo já tomado pela pandemia

INÁCIO ARAUJO –

“Army of the Dead” começa como uma paródia zumbi de “Onze Homens e um Segredo”. As coisas se passam, resumidamente, assim: Scott, um fortão pobre interpretado por Dave Bautista, aceita formar uma brigada de mercenários dispostos a entrar numa Las Vegas tomada por uma multidão de zumbis que foram cercados por um muro enorme -tipo o de Trump- e prestes a ser bombardeada pelo governo.
Antes disso, Scott e sua turma precisam entrar lá, seguir as instruções do rico senhor Tanaka -que Scott tinha salvado da morte, aliás- e abrir um cofre quase indevassável, onde está depositada uma fortuna. Scott e sua turma ficariam com metade da grana. Tanaka com a outra metade. É verdade que as intenções de Tanaka são as piores, mas disso se saberá mais tarde.
Com a ajuda de uma coiote, o grupo entra e se dirige a um cassino com nome tirado da mitologia grega. Logo descobrem que os zumbis não são aqueles famosos da velha guarda. Uma parte deles não só é inteligente como tremendamente ágil. Ou seja, a coisa não será fácil. Antes mesmo de entrar no cassino, eles se deparam com talvez o melhor achado do filme -um tigre zumbi, talvez o mesmo que esteve em “Se Beber Não Case”. Quando entram, à parte as dificuldades naturais (ou seja, os zumbis que precisam combater e as baixas que fatalmente ocorrerão), topam com sinais antigos do cassino -elevadores com músicas suaves ou canções de Elvis Presley etc. Simpáticas ironias do outrora flamejante universo da jogatina.
À parte isso, digamos a bem da verdade, é a convenção que dá as tintas ao filme de Zack Snyder. Como nem só de ação pode viver um filme do gênero, é preciso que Scott encontre, no meio da confusão, seu antigo amor.
Ela, digamos, entrou na história não pelo dinheiro, mas por saudades de Scott, a quem pretende reencontrar. Não era a melhor hora, evidente. Mas, vamos lá, um pouco de romance em meio à guerra entre homens e mortos-vivos poderia ser um momento de suspense -serão atacados durante o idílio? Snyder deixa essa hipótese de lado, no entanto.
Scott se revela, aliás, um homem cheio de problemas. Lá está, também, a filha a quem abandonou. Kate, papel de Ella Purnell, é cheia de ressentimentos em relação a ele. Com razão, aliás.
E Scott não está lá apenas pelo dinheiro, notamos, mas pela rara oportunidade de passar a limpo sua vida. Assim, após descobrir que Kate é sua filha, decreta que ela é o ser mais importante para ele. Isso em meio a zumbis enlouquecidos no meio de um mundo destruído.
Essas coisas fazem de Scott um suave sonhador. Por exemplo, a horas tantas ele confidencia a Kate o que pensa fazer com os milhões que vai ganhar -montar um food truck, ter sua própria cozinha.
Com tantos milhões em jogo, podia pensar mais alto, mas o plano parece plausível para quem está, junto com seus bravos companheiros, enfrentando armadilhas e ardis. Sem contar que, à frente dos zumbis está um líder, não por acaso chamado de Zeus.
Aonde eles chegarão com isso? Bem, há uma fuga de helicóptero com alguns humanos a bordo e Zeus de carona, por exemplo, que será uma boa sequência. Mas a verdadeira questão talvez seja outra. Aonde chegaremos nós, ao fim do filme?
Cada um responda por si. Pessoalmente, penso que essa experiência nos dá muito pouco a saber sobre a natureza dos humanos ou dos mortos-vivos. Os momentos de diversão são poucos. Admitamos que Zack Snyder não trapaceia, recheando o pouco que tem a dizer com sustos e afins.
Ainda assim, é pouco o que “Army of the Dead” tem a nos proporcionar (se a Netflix for legal, ao menos nos ensinará que o título original significa “exército dos mortos”). Para um mundo em que palavras como contaminação, contágio e peste se tornaram cotidianas, é pouco.

Fonte: FolhaPress