“Ciência e medicina são, nesse caso particular, a salvação. O espírito, ao menos nessa dimensão da vida, não existe onde não haja corpo. Salvar vidas é nossa prioridade. É difícil de acreditar que, passado um ano da pandemia, até hoje não haja um comitê médico-científico de alto nível orientando as ações governamentais. Parece um misto de improviso, de retórica e de dificuldade de lidar com a realidade, mesmo diante de 340 mil corpos”, observou Barroso.
Ao acompanhar o entendimento dos colegas, Alexandre de Moraes rechaçou que o decreto do governo de São Paulo viole a Constituição e atinja a liberdade religiosa. “Por entender que proteger a vida dos fiéis talvez seja a maior missão das religiões, não há nada de discriminatório, não há nada de preconceituoso, não há nada de inconstitucional, nos decretos que, embasados em dados científicos, médicos, restringem, assim como outras atividades, temporariamente os cultos religiosos”, afirmou.
“Onde está a empatia e a solidariedade de todos nesse momento? A liberdade religiosa tem dupla função: proteger todas as fés e afastar o Estado laico de ter de levar em conta dogmas religiosos para tomar decisões fundamentais para a sobrevivência de seus cidadãos. O Estado não se mete na fé. A fé não se mete no Estado”, afirmou.
Na avaliação de Moraes, o Brasil não se preparou para a segunda onda. “Os EUA tem 500 milhões de doses de vacina, nós não conseguimos vacinar ainda 10% da vacinação. Estamos, dia 8 de abril, nós não vacinamos 10% da população. Quatro mil mortos por dia, onde está a empatia?”, questionou.
Alento espiritual
Em um discurso afinado ao do Palácio do Planalto, Nunes Marques destacou que o confinamento é importante “mas também pode matar ” se não houver um “alento espiritual”. Indicado ao cargo por Bolsonaro, afirmou que a abertura de igrejas e templos “pode ajudar o crente a se sentir mentalmente aliviado”.
“A Constituição protege a todos. Se o cidadão brasileiro quiser ir a seu templo, igreja, ou estabelecimento religioso para orar, rezar pedir, inclusive pela saúde do próximo, ele tem direito a isso. Dentro de limites sanitários rigorosos. É a Constituição que lhe franqueia esta possibilidade. Para quem não crê em Deus, isso talvez não tenha lá muita importância. Mas para a grande maioria dos brasileiros, tal direito é relevante”, disse Nunes Marques.
“Na democracia, a ninguém é dado desobrigar o cumprimento da Constituição ainda que temporariamente, para que se execute política pública que, supostamente, apenas pode ser concretizada se estiver livre das amarras impostas por direitos constitucionais. Para que a sociedade minimamente funcione é necessário que alguns setores não paralisem sua atividades A decisão sobre o que é essencial é político-jurídica, embora inspirada em critérios científicos. Quanto às liberdades constitucionais, expressamente estabelecidas, é preciso que se respeite seu núcleo essencial”, acrescentou.
Sem citar estudos ou pesquisas científicas que confirmem a origem das transmissões, o ministro afirmou que “sabemos onde essa doença está sendo transmitida: festas, baladas e bares estão lotados, sem distanciamento nem máscara.” “Não são nos cultos e nas missas que a pandemia está ganhando força”, frisou Nunes Marques, sem explicitar os fundamentos dessa convicção.
Nunes Marques também comparou o funcionamento das igrejas às atividades da imprensa. “Poderia o prefeito decretar o fechamento dos jornais da cidade, e das gráficas que produzem periódicos? Ou mesmo o fechamento de telejornais que necessitam de certa aglomeração para o seu adequado funcionamento? É assegurado a todos o acesso à informação”, questionou.
“Nestas hipóteses, a Constituição proíbe tal conduta, porque é livre a manifestação do pensamento. É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e da comunicação. É assegurado a todos o acesso à informação. Ou seja, para todas estas questões, a resposta é não. Por que em relação a liberdade religiosa ela seria diferente?”
No início da sessão, o procurador-geral da República Augusto Aras informou que desistiu do pedido de tirar o caso das mãos de Gilmar Mendes. “Entendo que não há mais necessidade (na questão de ordem), tendo em vista o início do julgamento”, afirmou Aras.
Em decisão alinhada com os interesses do Planalto, o indicado do presidente Jair Bolsonaro liberou no sábado, 3, véspera do domingo de Páscoa, a realização de atividades religiosas coletivas de forma presencial. Em sentido contrário, dois dias depois, o ministro Gilmar Mendes negou pedidos do PSD e do Conselho Nacional de Pastores do Brasil para derrubar o decreto do Estado de São Paulo que proibiu as reuniões religiosas durante as fases mais restritivas do plano de combate ao covid-19. Com a divergência, o caso foi enviado ao plenário.
Na sessão desta quarta, Gilmar votou a favor do fechamento temporário de igrejas e templos diante do agravamento da pandemia. Na ocasião, também criticou as posições do advogado-geral da União, André Mendonça, e Aras. Os dois cotados para a vaga que será aberta no Supremo em julho defenderam a realização de missas e cultos, mesmo no momento em que o País atravessa o pior momento da luta contra a covid-19, registrando mais de 337 mil óbitos.
‘Pária’ e ‘viagem a Marte’
Em seu voto, Gilmar classificou como “surreal” os argumentos de que o fechamento temporário de eventos coletivos em templos religiosos “teria algum motivo anticristão”. “É também a gravidade dos fatos que nos permite ver o quão necessário é desconfiarmos de uma espécie de bom mocismo constitucional, muito presente em intervenções judiciais aparentemente intencionadas em fazer o bem”, alfinetou o ministro, sem citar explicitamente a decisão de Nunes Marques.
O ministro criticou uma “uma agenda política negacionista que se revela em toda a dimensão contrária à fraternidade tão ínsita ao exercício da religiosidade”. “O pior erro na formulação das políticas públicas é a omissão, sobretudo para as ações essenciais exigidas pelo artigo 23 da Constituição Federal. É grave que, sob o manto da competência exclusiva ou privativa, premiem-se as inações do governo federal, impedindo que Estados e Municípios, no âmbito de suas respectivas competências, implementem as políticas públicas essenciais”, destacou Gilmar.
O ministro ainda rebateu a manifestação de André Mendonça, que, no início da sessão, disse que o País presencia cenas de “ônibus superlotados” e viagens de avião “como uma lata de sardinha”. Gilmar apontou que Mendonça ocupou até a semana passada o cargo de Ministro da Justiça e que tinha entre suas atribuições justamente a responsabilidade de formular diretrizes sobre transportes no País.
“Quando Vossa Excelência fala dos problemas dos transportes no Brasil, especialmente no transporte coletivo, eu poderia ter entendido que Vossa Excelência teria vindo agora para a tribuna do Supremo de uma viagem a Marte, mas verifiquei que Vossa Excelência era Ministro da Justiça e tinha responsabilidades institucionais, inclusive de propor medidas. À União cabe legislar sobre diretrizes nacionais de transportes”, criticou Gilmar.
Fonte: IstoéDinheiro