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Quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Empresas lucram com suas causas, que vão de inclusão digital a alimentação natural

FLÁVIA G. PINHO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Aos poucos, crescem no Brasil os negócios de impacto, que são aqueles que se propõem a gerar benefícios à vida das pessoas e ao planeta, além do retorno financeiro.
O conceito ainda é novo no país e, por isso, mal compreendido, adverte Maure Pessanha, diretora-executiva da Artemisia, organização sem fins lucrativos de fomento de negócios de impacto social no Brasil.
“Muita gente acha que eles funcionam como ONGs, que não podem trabalhar com um fluxo de capital normal e não devem distribuir lucros. Pelo contrário, um negócio de impacto precisa ser gerido como qualquer outro”, ela diz.
Só que, tão importante quanto a gestão financeira, segundo a especialista, é a conexão autêntica entre o empreendedor e sua causa. “É possível ser movido por uma paixão genuína e querer ganhar milhões também.”
Paixão pela causa é o que não falta aos sócios Viviane Palladino, 42, Lilian Glaisse, 41, e Filipe Mori, 36, fundadores da Mais Vívida.
Os três se conheceram em 2019, durante um programa de MBA, e tinham um problema em comum: parentes idosos que passavam muito tempo sozinhos em casa, sem vida social ativa. Desse incômodo, nasceu a startup.
Uma equipe de atendentes entre 18 e 35 anos ensina idosos a lidar com a tecnologia no dia a dia. Nas aulas, que custam R$ 60 por hora ou R$ 250 por mês, com encontros semanais, eles aprendem a navegar nas redes sociais e a usar os recursos do smartphone, entre outras lições práticas.
“Ensinamos tecnologia, mas entregamos fator humano. A atenção exclusiva que os idosos recebem naquela tarde pode ser seu único evento social da semana”, diz Viviane.
Até fevereiro de 2020, a Mais Vívida realizava cem atendimentos por mês, com ticket médio de R$ 90.
Quando veio a pandemia, os atendimentos presenciais foram inteiramente suspensos, mas aos poucos vêm sendo retomados no formato online. Para surpresa dos sócios, surgiu até um novo perfil de cliente.
“Se antes a faixa etária predominante era de 70 a 90 anos, agora tem aparecido gente mais nova, em torno dos 60, que precisa aprender a usar recursos tecnológicos para trabalhar. Uma de nossas clientes tem um brechó com uma amiga e não sabia controlar o estoque pelo Google Drive”, conta a empreendedora.
A meta dos três sócios, agora, é adotar um novo modelo de negócio para turbinar o faturamento. Além de trabalhar com o consumidor final, a Mais Vívida quer ter empresas entre os seus clientes. Com isso, espera chegar ao fim de 2022 faturando R$ 2,5 milhões.
Focar em contratos com grandes empresas também é a estratégia da bióloga Luísa Haddad, 34, fundadora da Pé de Feijão. Ela criou a empresa em 2014, com a meta de democratizar o acesso a alimentos naturais de qualidade.
Depois de algumas tentativas que não deram certo, Luísa encontrou um modelo eficiente de atingir seu objetivo: a Pé de Feijão monta hortas urbanas, por encomenda empresas, como Barilla, Porto Seguro e Disney, e promove vivências para os colaboradores em diferentes formatos.
“A empresa pode nos contratar para ensinar seus funcionários a plantar, colher e fazer o planejamento alimentar, por exemplo. Ou para organizar um dia de trabalho voluntário, plantando uma horta em alguma instituição”, ela conta.
As vivências custam de R$ 2.000 a R$ 5.000 por mês, no caso dos contratos contínuos, e chegam a R$ 30 mil, valor cobrado pela organização de uma jornada de trabalho voluntário.
Durante a pandemia, os encontros presenciais foram convertidos em cursos online. E, em dezembro, um novo produto foi lançado: a formação de professores da rede pública.
O primeiro projeto já está em andamento. Com patrocínio da indústria alimentícia Mãe Terra, a Pé de Feijão está revitalizando a horta da Emei (Escola Municipal de Educação Infantil) Desembargador Amorim Lima, em São Paulo, e ensinando o corpo docente a usar a plantação como ferramenta pedagógica.
Em dois negócios tão distintos quanto a Pé de Feijão e a Mais Vívida, é fácil notar alguns traços em comum. Nos dois casos, os empreendedores remuneram seus colaboradores acima da média do mercado. E, mesmo nos momentos de crise, consideram a demissão o último recurso.
“Nos primeiros meses de pandemia, tomei um empréstimo para sustentar a empresa, mas não demiti nenhum dos oito colaboradores. Não posso ter como meta fazer o bem aos outros se não faço o bem dentro de casa”, diz a fundadora da Pé de Feijão.
Da mesma forma, as decisões nem sempre são tomadas em função do retorno financeiro. Nos primeiros meses de pandemia, com todos os contratos suspensos, a Mais Vívida arregimentou 400 voluntários e passou a ajudar os clientes, de graça, em suas demandas mais urgentes, como compras de supermercado e farmácia.
Para a diretora da Artemisia, além da boa capacidade de gestão e da paixão pela causa, uma terceira habilidade é bastante exigida dos empreendedores sociais: persistência.
“Em média, esse tipo de empresa demora de três a quatro vezes mais tempo para acontecer do que era previsto no plano de negócios. Muitos operam em mercados complexos e muito regulados, como saúde, educação e serviços financeiros. Mas, felizmente, o mercado está mais maduro. Há dez anos, recebíamos mais jovens querendo empreender pela causa, buscando um novo estilo de vida. Hoje, predominam pessoas experientes, que já trazem uma boa bagagem de outros negócios.”