JAIRO MALTA
(FOLHAPRESS) – Quem tem a sensibilidade e a frieza de olhar o mundo será responsável por guiar outros olhares. O pantera negra Fred Hampton era uma dessas pessoas. Em “Judas e o Messias Negro”, que chega agora aos cinemas, o ator Daniel Kaluuya, que interpreta esse ativista visionário de só 21 anos, presidente do partido mais emblemático do movimento negro, é um vulcão em pleno trabalho de erupção, um Vesúvio; e o sistema racista, sua Pompeia.
Assim como os messias das religiões monoteístas, Hampton tinha à sua disposição um exército de fiéis prontos para dar a vida ao movimento. Sua grande intenção era fazer esse exército crescer e multiplicar; branco, latino ou preto, isso não importava para ele. E é aí que entra o personagem principal dessa história, Judas e suas 30 moedas de Dracma.
William O’Neal, o infiltrado do Exército de Roma, digo, do FBI, é interpretado pelo ator-camaleão LaKeith Stanfield. Com suas expressões e trejeitos, ele deixa o espectador se perguntando se o enredo, baseado em uma história real, tem ou não um desfecho diferente.
Para Martin Luther King, Malcolm X ou Jesus, discursar para o povo é sua maior arma. O diretor Shaka King soube captar bem o poder desses sermões a ponto de nos emocionar. Mesmo sendo poucos esses momentos, quando ocorrem, é grande a vontade de levantar do assento de punho cerrado para o alto.
Uma tática já muito bem vista em “Pantera Negra”, da Marvel e “Corra!”, a trilha sonora com sons característicos de músicas de países africanos foi bem usada nesses momentos. Atabaques e tambores imitam as respirações e batidas do coração. É de tirar o fôlego.
Os atores Shaka King e Martin Sheen, que interpretam agentes do FBI, fazem muito bem o papel de demônios brancos que estão ali apenas para mudar a história com seus privilégios, dinheiro, culpa e muito racismo. Nada diferente de uma atuação padrão de brancos num filme como esse.
Assim como em qualquer filme que se passa nos anos 1960 e 1970, as cores emudecidas dos ambientes criam contrastes com as roupas das gangues, coloridas e padronizadas como uniformes, e com os ternos pretos e camisas brancas dos agentes policiais, padrão de filmes policiais de época.
Outro contraste perceptível são as atuações de Daniel Kaluuya e LaKeith Stanfield, interpretando dois revolucionários que crescem e ganham destaque diante de seu povo com objetivos parecidos –a liberdade–, mas em dimensões bem diferentes.
Diferenças de finalidades que nos fazem perguntar o que torna alguém um revolucionário. São os fins ou os meios? Ou seria o objetivo da revolução? E até que ponto Judas era um revolucionário, assim como Jesus?
Polêmicas à parte, o filme não converte ninguém. Aparentemente, o diretor estudou numa escola sem partido, e talvez este seja o grande diferencial de “Judas e o Messias Negro”, uma obra só acadêmica. Isso talvez pelo fato de um simples filme não poder cumprir esse papel. Ele se atém aos fatos –mesmo que ninguém saiba toda a verdade até hoje.
A entrevista dada pelo verdadeiro traidor William O’Neal, divulgada em 17 de fevereiro de 1990, dois dias depois de sua morte e no dia em que se comemora o aniversário de Martin Luther King nos Estados Unidos, é o que conduz a história. Sem mais e nem menos, na sua visão, claro.
Ser um filme chapa-branca deixa a frase “você pode matar o revolucionário, mas você não pode nunca matar a revolução”, dita por Fred Hampton, um pouco sem sentido, já que em suas ausências o movimento negro durante o filme é falho e quase inexistente. Algo que claramente não é verdade.
Se há uma lição a ser tirada da obra, é que a revolução não se faz no sofá de casa ou com notas de repúdio no Twitter. Se faz com o povo nas ruas, tentando dominar o mundo.
Mas fique tranquilo. Toda a experiência de assistir a “Judas e o Messias Negro” colabora para que depois de duas horas de filme você saia arrepiado, indignado com os últimos acontecimentos, ainda mais confuso sobre a história de Fred Hampton. E, claro, louco para comprar uma calça camuflada verde, jaqueta preta, uma boina e óculos escuros Ray-Ban clássico.
Cultura
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