Cultura
Quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Dave Grohl e o Foo Fighters venceram fantasmas e a pandemia para lançar disco

LUCAS BRÊDA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na última vez que veio ao Brasil, em 2019, Dave Grohl estava compondo as músicas do novo disco do Foo Fighters. “Escrevi enquanto estávamos em turnê, inclusive pela América do Sul”, ele diz. “Compus várias músicas no hotel que fiquei quando estava no Brasil para tocar no Rock in Rio.”
O décimo álbum do Foo Fighters, “Medicine at Midnight” –descrito pelo vocalista e guitarrista como um “disco de festa”– sai nesta sexta-feira, depois de ser adiado por praticamente um ano. Grohl e seus companheiros escreveram e gravaram todas as músicas ao longo de 2019 e planejavam o lançamento para o começo do ano passado. Mas a pandemia fez a banda mudar os planos.
“Seria um ano intenso do Foo Fighters”, diz Grohl, sobre 2020. “Teria nosso aniversário de 25 anos, nosso décimo disco. Tinha muita expectativa em relação a esse ano. Alguns documentários, uma turnê mundial com uns dois anos de duração. Nosso plano era celebrar.”
Mais do que estragar os planos do Foo Fighters, a pandemia deixou o clima muito menos adequado para uma celebração. Neste ano, a possibilidade de fazer shows ainda é distante, mas Grohl cansou de esperar.
“Todo mês tinha uma reunião para perguntar ‘está na hora?’, e aí não estava na hora ainda. Assim foi o nosso ano. No fim das contas, decidimos que era importante lançar o disco porque, mesmo que não seja possível sair em turnê agora, é melhor soltar essas músicas para que as pessoas possam ouvir, para que possam cantar e dançar com elas. Levar felicidade, alívio, prazer, qualquer coisa.”
Além da própria celebração do Foo Fighters e seus 25 anos de carreira, o disco “Medicine at Midnight” é uma celebração. A banda mira a música suingada, num de seus trabalhos mais otimistas.
Acostumada a se inspirar num rock mais pesado, especialmente dos anos 1970, o Foo Fighters foi atrás de outras fontes. Agora, a banda busca o balanço de David Bowie nos discos “Let’s Dance” e “Young Americans”, dos Rolling Stones em “Some Girls”, além dos artistas da Motown e do Sly & the Family Stone, entre outros. Omar Hakim, que tocou bateria em “Let’s Dance”, participa do disco do Foo Fighters.
“Ouvi tudo que a gente fez nos últimos 25 anos, e há uma variedade muito grande de música que é pesada, distorcida, rápida, dissonante, punk, rock pesado”, diz Grohl. “E há momentos acústicos, sutis, orquestrados e bonitos. E há tudo no meio desses extremos. Mas algo que a gente nunca fez foi um disco realmente orientado pelo groove.”
“Medicine at Midnight” não chega a ser exatamente um álbum dançante, mesmo em relação ao rock contemporâneo, mas é possivelmente o disco menos sisudo do Foo Fighters. “Making a Fire”, primeira faixa do trabalho, tem uma pegada pop e um coral, enquanto Grohl canta “esperei uma vida inteira para viver”.
“Não queríamos fazer um álbum de disco e techno, mas queríamos nos juntar enquanto Foo Fighters e tocar com esse groove. Essa era a nossa ideia, nossa intenção. Comecei a escrever melodias e riffs e a encontrar os ritmos para fazer aquilo soar mais balançado.”
A banda Foo Fighters Divulgação A banda Foo Fighters ** Desde “Concrete and Gold”, disco anterior do Foo Fighters, de 2017, a banda já dava indícios de uma inclinação mais pop. Greg Kurstin, produtor conhecido pela colaboração com Adele –e que também assina “Medicine at Midnight”–, trabalhou com o grupo, e até Justin Timberlake participou daquele álbum.
“Shame Shame”, single do novo disco, cresce com uma batetria constante até chegar a um refrão melódico e explosivo, uma especialidade da banda que costuma tocar para estádios lotados. “Waiting on a War”, uma das mais reflexivas do disco, é quase acústica, e Grohl diz que “deve haver mais do que isso” na vida.
Mas mesmo que soe mais limpo –e certamente menos despojado– do que quando despontou nos anos 1990, o Foo Fighters ainda entrega riffs diretos e distorcidos. Na faixa “No Son of Mine”, uma guitarra suja anuncia versos típicos das músicas da banda, com uma bateria desacelerada dando o suíngue a que Grohl se refere, enquanto o vocalista gasta a garganta no refrão.
“Depois de 25 anos, você não quer fazer algo que soe como a porra de um funeral, você quer fazer algo que soe como uma festa”, diz Grohl. “Tipo, depois de 25 anos, a festa começa agora, e não quando a gente tinha 25 anos de idade.”
Há também um componente sinistro em “Medicine at Midnight”. Grohl conta que a banda gravou não em um estúdio, mas numa casa antiga na mesma rua onde ele mora, em Los Angeles.
“Quando você entra numa casa velha, construída há 60 ou 70 anos, acredito que haja uma energia deixada por lá, das pessoas que viveram –e morreram– nela. Quando fomos gravar, todo mundo começou a notar uma energia estranha.”
O próprio Grohl já havia passado uns dias na casa, quando estava reformando sua própria residência, há cerca de dez anos. Suas filhas, ele diz, já sentiam medo de “coisas que você não podia ver”.
“As coisas no Pro Tools, o programa de gravação, mudavam do nada. Equipamentos e instrumentos desligavam repentinamente, um monte de merda esquisita. E o clima do lugar era meio assustador. Nós basicamente gravamos as músicas e nos mandamos de lá. Fomos embora.”
Grohl diz que deixar a casa assombrada foi um alívio, a mesma palavra que usou para falar sobre o fim do governo de Donald Trump nos Estados Unidos. O músico cresceu na região da capital Washington e seu pai era um escritor de discursos para políticos republicanos, enquanto sua mãe era uma professora mais identificada com os democratas. Ele cresceu sabendo “o que é estar no meio das coisas”.
“As pessoas que tinham opiniões diferentes ainda podiam se dar bem, conviver. Vi meus pais e seus amigos debaterem sobre os lados diferentes de uma ideia. Então, para mim, a coisa mais importante quando alguém se torna um político é que ele seja qualificado e entenda as leis e o governo, mas também que entenda esse lugar do meio.”
Grohl afirma que Trump nunca quis unir as pessoas e ainda era totalmente despreparado para ser presidente. O Foo Fighters foi uma das bandas que se apresentou na festa virtual de posse do atual presidente americano, Joe Biden.
“Se eu for a um médico para uma cirurgia, quero que ele saiba exatamente o que está fazendo. Quando entro num avião, quero que o piloto saiba exatamente o que está fazendo. Tem certos trabalhos que você precisa saber o que está fazendo.”
“Então, quando Biden foi eleito, acho que houve uma onda imensa de alívio nos Estados Unidos, de que agora tem alguém que pelo menos é qualificado. Afora você achar que ele está certo ou errado, há um sentimento de alívio muito, muito grande.”