Data Mercantil

Covas foca continuidade, e Boulos quer participação social

ARTUR RODRIGUES E THIAGO AMÂNCIO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quem vencer nas urnas no próximo dia 29 em São Paulo vai ter que administrar uma cidade de 12,3 milhões de habitantes com problemas tão distintos quanto uma infestação de pernilongos, calçadas ruins e a falta de creches, além da pandemia da Covid-19.
Bruno Covas (PSDB) e Guilherme Boulos (PSOL), que se propõem a essa empreitada, têm visões diferentes de como encarar os mesmos problemas, pelo menos nos planos de governo apresentados à Justiça Eleitoral.
De um lado, o tucano, atual prefeito, apresentou um plano mais enxuto, em que aproveita para exaltar os feitos da sua gestão e falar em continuidade, sem explicar por que não fez ao longo do governo algumas das coisas que promete, como um BRT (tipo de pista exclusiva de ônibus) na zona leste –Covas construiu menos de 10% dos corredores que sua chapa propunha em 2016.
Do outro, o psolista entregou um plano que foca mais a parte social e promete maior participação popular, embora algumas propostas esbarrem na Câmara Municipal, onde pode ter dificuldade com a bancada eleita. Boulos tem tentado se desvincular da imagem de inexperiente ao dizer que tem conversado com economistas e que apresentou suas ideias ao Tribunal de Contas do Município.
As creches são ponto central da gestão da educação. Enquanto Covas promete vagas para filhos de mães que cumprirem o pré-natal no programa Mãe Paulistana, Boulos promete reverter o processo de privatização, terceirização e conveniamento da área –modelo investigado por suspeita de irregularidades.
Anna Helena Altenfelder, presidente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária, diz que, embora o modelo de creches públicas seja desejável, pensar nas conveniadas é necessário em um momento mais imediato, uma vez que a demanda é muito alta.
Já garantir vagas em creches a quem participa do Mãe Paulistana é um incentivo ao cuidado com a saúde, mas pode gerar problemas, segundo ela, porque pode excluir crianças mais vulneráveis.
Boulos sinaliza aumentar a verba para a educação para 31% da receita, mas o Plano Municipal de Educação já fala em 33%, diz Anna Helena. A especialista ressalta a importância dos candidatos se atentarem para o plano, que prevê diretrizes como redução de alunos por sala e valorização do magistério.
Já na área de transporte, entre as inovações prometidas por Covas está a criação de um sistema de transporte público por barcos nas represas, integrado ao bilhete único.
Covas promete só um corredor de ônibus, um BRT (mais eficiente e mais caro que corredores), na avenida Aricanduva, integrando as linhas 15-prata e 3-vermelha do Metrô e o BRT metropolitano ABD.
Boulos diz apenas que pretende ampliar os corredores de ônibus, sem definir um número. Além disso, promete também tarifa zero para desempregados e estudantes.
As promessas do candidato geralmente são criticadas por falta de fontes de recursos nos cofres municipais. Entre as propostas dele está a criação de um fundo para financiar o sistema de ônibus.
Para Rafael Calabria, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, o ponto fraco dos planos dos dois candidatos é a segurança no trânsito.
A segurança do pedestre é citada de passagem no plano de Covas, enquanto Boulos fala de educação para mobilidade, velocidade e alargamento de calçadas, sem se aprofundar.
Na área da saúde, Covas promete investir R$ 800 milhões em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, em 150 equipamentos de saúde até 2025. Ele também quer ampliar o atendimento por telemedicina.
Boulos foca reabrir hospitais e abrir completamente ou que têm serviço parcial. Ele tem dito também que quer contratar 500 médicos.
O prefeito aborda o pós-pandemia ao prometer ampliação de oferta para atender desafios futuros como a ampliação de áreas de nefrologia, saúde mental e combate de comorbidades como obesidade.
Já Boulos promete a contratação emergencial de médicos, instituir a fila única do SUS para administração das vagas de UTI, unindo redes pública e privada da cidade, se a ocupação dos leitos voltar a subir e a ampliação da testagem. Em debates, Boulos criticou a condução de Covas da pandemia, que respondeu dizendo que é “fácil ser engenheiro de obra pronta”.
Covas não cita a cracolândia em seu programa. A única menção à palavra “drogas” se dá no descritivo de uma proposta de ampliação da oferta de serviços públicos que, entre outras coisas, fará tratamento de usuários de drogas.
Já Boulos promete retomar o programa “De Braços Abertos”, da gestão Fernando Haddad (PT), que empregava dependentes químicos em ações de zeladoria –o projeto foi criticado na ocasião e suspenso quando Doria e Covas assumiram a prefeitura.
Boulos também diz que vai acabar com a internação compulsória de dependentes químicos. O assunto ganhou relevância no começo da gestão atual depois que Doria entrou na Justiça para poder internar à força dependentes na cracolândia, o que foi barrado.
O último censo mostra que 24.344 pessoas vivem nas ruas da cidade, número que cresceu 53% em quatro anos. O psolista defende o fim dos “rapas”, abordagens da guarda civil que recolhem os pertences dessa população.
Essas abordagens costumam ser pontos de crise independentemente de quem seja o prefeito. Doria foi acusado de expulsar moradores de rua com jatos d’água. Haddad também foi criticado quando guardas-civis retiraram pertences em meio a uma onda severa de frio.
Ainda que caminhem em sentidos diferentes em algumas propostas os dois candidatos apresentam “uma predisposição bem positiva em relação ao aumento da participação popular”, diz Silvia Cervellini, ex-diretora do Ibope e porta-voz do Delibera Brasil.
O programa de Covas fala em “compreender as vozes que vêm da sociedade” e promete aumentar a transparência ativa, ou seja, criar mecanismos para ativamente apresentar à população os números a ações do governo.
A gestão, porém, foi criticada justamente por reduzir a transparência ao tirar do ar a avaliação das metas da gestão. Cervellini lembra que Covas questionou o caráter realmente participativo dos conselhos populares. Em setembro, o prefeito foi criticado por convocar novas eleições ao Conpresp, órgão municipal do patrimônio, para alterar a representação no conselho.
Já o programa de Boulos tem a participação popular como pilar e propõe assembleias e fóruns temáticos em um “Congresso da Cidade”.
“Os programas não dizem como vão fazer. Eu vejo disposição para aumentar a participação popular nos dois, mas terão desafios diferentes. Covas terá que ter vontade política para levar isso adiante e fazer com que a administração, os técnicos e os políticos sejam abertos ao que a população tem a dizer. Boulos terá o desafio de articular a sociedade civil organizada, com a militância e o ativismo”, diz Cervellini.

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