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J. K. Rowling une melodrama de quinta e saídas fáceis em livro

CAMILA VON HOLDEFER
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Troubled Blood” é o quinto livro de Robert Galbraith -pseudônimo de J. K. Rowling, autora da saga “Harry Potter”- protagonizado pelo detetive Cormoran Strike.
No calhamaço ainda não traduzido para o português, Strike é contratado para investigar o sumiço de Margot Bamborough. Quarenta anos se passaram desde que ela saiu da clínica em que trabalhava para nunca mais ser vista.
Publicado na esteira de uma série de declarações transfóbicas da autora, o livro causou polêmica por causa do personagem Dennis Creed -um assassino em série que se veste de mulher a fim de conquistar a confiança das vítimas. Ao conservar acessórios e peças de roupa como suvenir, ele sente que rouba uma suposta “essência” das mulheres.
Não é um detalhe desprezível. Estamos diante de uma autora que tem deixado claro o que pensa sobre um grupo vulnerável e marginalizado, fornecendo caricatura do próprio preconceito na ficção.
Não há dúvida de que “Troubled Blood” foi pensado para ser um sucesso. Quase nenhum clichê foi esquecido. Até o romance melodramático entre os detetives tem um lugar garantido, com direito a sentimentos ambíguos e nunca reconhecidos de todo.
Cormoran Strike, difícil e enigmático, tem medo de se comprometer. Robin Ellacott, traumatizada pela violência de gênero e por um divórcio, não sabe bem o que quer. Strike e Robin foram feitos um para o outro, mas não admitem.
Mais do que previsível, o livro é uma colagem mal acabada de retalhos de enredos de sucesso. As fontes de inspiração -mais audiovisuais do que literárias, se se considerar o meio pelo qual se popularizaram- são óbvias, talvez porque seja óbvia a intenção de levar a trama à tela.
De Thomas Harris a Dan Brown, passando, é claro, por Stieg Larsson, a autora ciscou nos canteiros certos. Se fosse soft-porn, “Troubled Blood” teria um personagem trilionário, uma jovem tosca e sadomasoquismo pasteurizado.
“Troubled Blood” não é só um Frankenstein feito de narrativas conhecidas, mas um romance caça-níqueis que atira para todos os lados, sem distinção. Uma ampla gama de personagens permite à autora entrar em discussões sobre identidade e pertencimento, que englobam de laços de parentesco até nacionalismo.
Mas o lugar de honra é da astrologia. São páginas e páginas discutindo se o assassino é, digamos, capricórnio.
Como justificativa para atacar pessoas trans, Rowling já afirmou estar defendendo as mulheres. No entanto, apesar de ter tido a chance de modificar a fórmula e a estrutura do romance policial, a autora escolheu abraçar um chavão.
Mulheres raptadas, estupradas, torturadas e mortas compõem não só o cenário brutal que é alvo da crítica principal do livro, mas surgem também de modo apelativo, ajudando a criar e a moldar a tensão.
Não se pode nem contar com uma Lisbeth Salander para deixar a coisa mais interessante -embora a personagem criada por Larsson também cresça numa trama policial mais ou menos clichê. O objetivo de Rowling é revelar a misoginia amplamente naturalizada, embora a narrativa não mostre nenhuma coerência interna nesse sentido.
É um conjunto de saídas fáceis e óbvias, melodrama de quinta e construções constrangedoras de que Rowling -tanto do ponto de vista feminista quanto literário- não parece ter vergonha de usar.
As personagens mulheres são com frequência desenvolvidas e descritas a partir de estereótipos. A ex-noiva instável e imprevisível de Strike, por exemplo, é para ele como “uma droga ou uma doença”.
O desfecho, no qual assassino e motivação são revelados, é a prova de que, embora tenha a intenção de questionar certos papéis, o suposto comprometimento de Rowling com o feminismo é limitado.
Não se pode nem sequer dizer que o resultado de “Troubled Blood” é bem-sucedido no saladão de referências que reúne e na reprodução de uma fórmula batida. O livro se arrasta, e Rowling não sabe a hora de parar. Você não pode deixar de perder, eu diria.

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