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Academia tenta tornar Oscar mais diverso, mas esbarra na resistência dos estúdios

LEONARDO SANCHEZ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mudanças estão a caminho do Oscar, e elas não têm só relação com o anúncio em abril de que a cerimônia do ano que vem, por causa do coronavírus, vai considerar filmes lançados direto no streaming. As mudanças de agora são muito mais profundas –e têm potencial de abalar os alicerces que por tanto tempo sustentaram Hollywood.
Nesta semana, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, instituição responsável pela entrega do Oscar, anunciou uma série de novas regras para que uma produção possa ser elegível à cobiçada estatueta de melhor filme. Elas visam ampliar a diversidade da premiação e se tornarão obrigatórias em 2024.
Para poder disputar a corrida, de acordo com as novas regras, longas precisarão cumprir pelo menos duas de quatro diretrizes que visam dar visibilidade a não brancos, mulheres, LGBTs, latinos e pessoas com deficiência.
Na prática, haverá uma espécie de sistema de cotas para que grupos menos representados estejam presentes em vários estágios da produção de um filme, o que pode ocorrer diante das câmeras ou atrás delas. Há várias combinações de normas para alcançar o mínimo estabelecido.
Um filme pode, por exemplo, centrar toda a trama em protagonistas gays e, além disso, escolher pessoas não brancas para chefiar partes importantes da produção, como a fotografia e a montagem. Ou, então, oferecer cursos e estágios pagos para minorias que se envolvam no longa e também ter mulheres ou negros entre seus executivos das áreas de marketing. São várias combinações possíveis.
“Essa é uma mudança muito importante, porque, com ela, você tem uma situação de abertura e de recolocação artística, dando acesso àqueles que têm menos acesso e destaque a quem às vezes não pode se destacar”, afirma o produtor Rodrigo Teixeira. Ele está por trás de alguns filmes que chegaram ao Oscar, como “Me Chame pelo Seu Nome”.
“Essa é a nova ordem do mundo e a gente vai ter que se enquadrar nesse modelo, pensar melhor em como as histórias vão ser feitas. A Academia vem se mostrando aberta a essas mudanças e acho que essas medidas vão ser aprimoradas com o tempo.”
Tais medidas têm relação direta com as críticas que a Academia vem recebendo nos últimos anos, por causa da falta de diversidade entre seus indicados. O ponto de virada para a maior atenção dada ao problema ocorreu há quatro anos, com a campanha #OscarsSoWhite, que escancarou a falta de negros e de outras minorias entre os indicados.
O MeToo, que surgiu há três anos e também arrebatou o audiovisual, é outro que fez emergir uma série de vozes femininas potentes e destacou a falta de mulheres em cargos de liderança nos sets.
Desde então, outras decisões haviam sido tomadas pela Academia para tentar apaziguar os ânimos, como a distribuição de cadeiras a novos membros –e, portanto, votantes no Oscar– a artistas e empresários que fugiam do perfil dominante, formado por homens brancos mais velhos e heterossexuais.
Segundo Teixeira, as mudanças devem respingar também na produção brasileira. Ele ainda destaca que, ao contrário de medidas já tomadas, esse novo conjunto busca atacar o problema da falta de diversidade de forma mais ativa.
“Sem dúvida essas regras visam mudar a estrutura, não é algo paliativo”, diz ele, sobre a diretriz que determina que produtoras tenham estagiários de grupos menos representados. “Acredito que uma geração mais diversa de talentos vai surgir. Vai haver espaço.”
Mas, por melhores que sejam as intenções, o anúncio não foi recebido de forma totalmente positiva. Houve alfinetadas de lados opostos do debate –alguns dizem que as normas eram insuficientes e outros as consideraram ousadas demais. Entre os últimos, alguns argumentam que produtoras menores vão sair prejudicadas, o que Teixeira refuta, e outros dizem que as normas vão limitar o tipo de filme que chega ao Oscar.
Mas isso não é bem verdade. As normas são a formalização de algo que já vinha acontecendo. Vencedores do Oscar recentes, como “Moonlight” e “Parasita”, já indicavam que a mentalidade da Academia estava mudando.
Além disso, os filmes com intenção de chegar ao Oscar são pensados e lapidados para agradar aos membros da Academia –o que prova que uma trava a determinadas histórias sempre existiu. Agora, regras estão no papel e, claro, refletem os tempos de rebuliço social atuais de uma maneira muito mais transparente.
“A obrigatoriedade será apenas para duas das quatro exigências elencadas pela Academia, portanto, não há obrigatoriedade em seguir todas elas, o que poderia causar certo melindre por parte dos mais conservadores, que alegam o cerceamento da arte”, diz ainda Andréa Cotrim Silva, pesquisadora de questões raciais e de gênero no cinema.
“Essas medidas permitem que uma narrativa que se passa na Escandinávia, por exemplo, tenha um elenco majoritariamente branco, desde que a produção fora dos sets seja mais diversa.”
Em estudo recente, o grupo americano Annenberg Inclusion Initiative examinou os cem filmes de maior arrecadação de 2019 e identificou que só 34% dos personagens com falas eram mulheres. Já na cadeira de direção, só 12 longas eram dirigidos por elas.
Entre os outros dados divulgados, estão os de que 2,3% dos personagens com falas da lista tinham alguma deficiência e só 1,4% eram LGBTs. Para entender a desigualdade em relação a raça e etnia, nem é preciso ir muito além do Oscar –de todas as 336 estatuetas de atuação já concedidas, 19 foram para negros, 5 para latinos, 3 para amarelos, enquanto árabes e indígenas venceram uma única vez.
Em entrevista à Hollywood Reporter, um grupo de diretores da Academia falou sobre as novas regras. Em relação às respostas negativas, DeVon Franklin concordou que as diretrizes não são perfeitas, mas são um passo adiante.
“Não é sobre restringir a criatividade, é sobre elevar”, disse à revista. “E, em relação a não irmos longe o suficiente, nós não queríamos que a perfeição entrasse no caminho do progresso.”

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