REINALDO JOSE LOPES
SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Ninguém pode acusar Miguel Nicolelis de falta de ambição intelectual. Pois o neurocientista paulista, um pioneiro na criação de interfaces que unem o cérebro a máquinas e pai de um instituto de pesquisas em Macaíba (RN), decidiu recontar a trajetória da cognição humana e analisar os riscos que a espreitam em seu mais recente livro.
“O Verdadeiro Criador de Tudo” do título da obra é o próprio cérebro da nossa espécie. Nicolelis defende um ponto de vista “cerebrocêntrico”, sob o qual é impossível separar totalmente o que acreditamos saber sobre a estrutura do Universo da estrutura neuronal que nos permite raciocinar e imaginar. Em grande medida, o sistema nervoso humano “cria” a realidade à nossa volta, argumenta.
Não há nada místico nessa visão, até porque Nicolelis critica impiedosamente a fé religiosa e a vaga “religião cósmica” de Albert Einstein e outros físicos. As bases de sua proposta são essencialmente as da teoria da evolução.
As particularidades da trajetória evolutiva dos primatas moldaram de forma particular as estruturas cerebrais para que elas ajudassem na sobrevivência e na reprodução.
Com a ascensão da cooperação de grande escala entre humanos, formando tribos e impérios, essas capacidades cerebrais passaram a criar conexões entre massas de indivíduos, unindo-os em torno de ideias e mitos compartilhados, um tipo de sistema que Nicolelis apelida de “Brainet”, a internet dos cérebros.
Tudo indica que a “Brainet” não é mera metáfora. O trabalho do brasileiro na Universidade Duke (EUA), bem como o de outros neurocientistas, está mostrando que a atividade cerebral de indivíduos diferentes engajados na mesma tarefa de fato acaba ficando sincronizada, podendo até ser usada para controlar avatares virtuais ou aparatos robóticos de forma conjunta.
Para Nicolelis, a plasticidade das estruturas cerebrais, o que inclui o surpreendente poder de “mapear” em suas conexões o uso de artefatos eletrônicos como se eles integrassem o corpo, é mais uma evidência de que o cérebro é, mais do que um decodificador, um sofisticado simulador de realidade virtual.
Até aí, rodeamos o consenso científico. Mas um dos aspectos mais estimulantes do livro é a disposição de atacar palavras de ordem deste século, como a ideia de que estaríamos à beira de uma revolução da inteligência artificial, capaz de criar computadores superiores a nosso cérebro.
Balela, sentencia Nicolelis. Cérebros orgânicos, argumenta, possuem outros modos de se conectar e processar informações, mais versáteis e eficientes do que o que projetamos em PCs ou celulares.
Uma de suas apostas científicas é a “conexão eletromagnética” ultrarrápida entre regiões distantes do sistema nervoso. Se correta a hipótese, a passagem de impulsos elétricos pelos nervos e de mensageiros químicos entre os neurônios seria apenas parte do sistema usado para formar memórias, adotar comportamentos e ter ideias.
É sintomático, observa, que as empresas mais interessadas em lucrar com o marketing da inteligência artificial tenham nascido nos lugares em que emergiu a visão (equivocada, diz) do cérebro como computador de carne.
Paradoxalmente, os algoritmos que essas empresas desenvolveram, embutidos em sistemas como redes sociais, correm o risco de empobrecer o desenvolvimento cognitivo dos que nelas se fecham.
É possível que, em sua reverência à mente humana, Nicolelis descambe para o relativismo exacerbado. Ele diz, por exemplo, que outras inteligências orgânicas, caso existam, discordariam da ciência feita pelo Homo sapiens, pois seu sistema nervoso teria sido gestado sob outras condições ambientais e evolutivas.
Será? Gravidade, eletromagnetismo e estrutura atômica não estariam presentes em qualquer lugar do Universo? Será que nem esses assuntos poderiam ser discutidos por nós, em relativo pé de igualdade, com eventuais ETs?
Ao responder “provavelmente não”, o neurocientista pode ter avançado o sinal. Mas só a capacidade de confrontar tais questões com imaginação e rigor é sinal da coragem intelectual do livro.
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Segunda-feira, 20 de janeiro de 2025
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